BONI
Por favor, pode falar seu nome, idade, ocupação e como você se identifica. E aproveitar pode falar um pouquinho sobre você, o que você quiser que o povo saiba.
NIARA
Me chamo Niara, eu tenho 23 anos, no momento eu sou auxiliar administrativa numa associação que se chama “Elas Existem, Mulheres Encarceradas”, onde a gente trabalha com mulheres que vivenciaram o carcere ou que estão la dentro ainda, isso engloba tanto as mulheres cis quanto trans e travestis, e adolescentes também, cis, trans e travestis que estão no socio-educativo. Também tô no último ano, graças a Deise, em Serviço Social na UFRJ.
Sou travesti, não me entendo enquanto uma mulher trans, acho que essa nomenclatura não cabe pro meu corpo e pra quem eu sou, não que eu tenha questões com quem se identifica dessa maneira, lógico que não, mas eu Niara sou travesti e é isso, e acabo.
Ser travesti no Brasil é aquela música da Linna (Linn da Quebrada) que ela fala “Aí credo que delícia, como é bom ser travesti”
Também faço parte da cena Ballroom, eu sou overall princess da House of Bushido, que é uma casa que tem aqui no Rio de Janeiro. A comunidade Ballroom é muito importante pra mim no sentido de estar mais entre outras travestis e outras pessoas trans, porque é isso né dentro do campo do trabalho e da faculdade, a gente ta ali lotada de pessoas cis ao nosso redor, e isso é muito uó né, sendo uma travesti estando nesse espaço me sinto muito sozinha, então a ballroom acaba sendo esse lugar de trocas, de alguns momentos de acolhimento, alguns momentos de brigas e confusões, mas é um espaço muito importante.
BONI
É ótimo para concretizar uma família, é muito necessário. Agora vou fazer algumas perguntinhas. O que significa para você ser trans no contexto brasileiro?
NIARA
É babado. Ser travesti no Brasil é aquela música da Linna (Linn da Quebrada) que ela fala “Aí credo que delícia, como é bom ser travesti”, é um misto de credo e de delícia, de fato, porque a gente passa por inúmeras situações onde a gente é negada de exercer o mínimo da vida. Eu tenho um trabalho, eu tenho a minha faculdade mas isso não é realidade da maior parte da comunidade trans e travesti brasileira. Acho que não é sobre privilégios porque eu sou uma travesti e além disso eu sou preta, mas sobre acessos, que muitas não tem, e não que isso seja o máximo das coisas porque ainda assim a transfobia tá aí sempre, todo dia batendo na porta, então é difícil se manter nesses lugares, não só nos lugares em si, mas o caminho até ao trabalho.
Inclusive esses dias eu fiquei muito assustada porque eu estava na casa do meu ex, ai eu fui no mercado e quando eu tava voltando um bofe falou assim “nossa você não trabalha na praça Mauá?", que é tipo assim do lado do meu trabalho, então pensei "tô sendo vigiada por alguém que eu nem conheço”, eu fiquei com muito medo. Fiquei pensando nisso, como é foda ser travesti porque se eu fosse uma gata cis, ele taria só nesse campo, entre aspas, da admiração de longe, ele nao ia chegar pra uma mona falando “eai te conheço de tal lugar”, pode ser que sim porque homem cis é um lixo, mas é muito mais difícil, porque parece que nosso corpo ta muito mais suscetível a esse tipo de violência direta né. As pessoas acham que a gente ta em busca de sexo o tempo todo.
E eu nem me envolvo com pessoas cisgêneras, inclusive, sobre mim, sou bissexual e me envolvo exclusivamente com outras pessoas trans e travestis. É muito louco porque esses homens acreditam que a gente, para além de não conseguir o próprio afeto, eles acreditam que nosso corpo não tem outra possibilidade a não ser de ter aquele desejo por um pau cisgênero, então acho que isso diz muito também sobre o que é ser uma travesti no Brasil. Eu tô falando sobre isso porque eu sou uma travesti, tipo embora eu entenda também as problemáticas dos corpos trans masculinos e pessoas não binárias, mas falando da minha vivência mesmo.
E é sair de casa realmente sem ter a certeza de que você vai voltar tranquila, sem passar por nenhum tipo de violência. Inclusive no bairro onde fica minha faculdade, é o lugar que eu mais sofro assédio. Como você consegue estudar de boa e tranquila, tendo vários carros buzinando, parando achando que você tá fazendo programa, quando você tá esperando um ônibus pra ir para casa. Isso é muito difícil.
BONI
Sim, eu sinto muito isso também, parece que tem um grande holofote na gente, e é açougue, parece que quem quiser pode pegar, e pelo contrário, a nossa percepção de realidade é muito mais complexa do que a maioria pode imaginar, né, então definitivamente, essas liberdades são violências.
E o que família e comunidade significa para você? E se essa noção mudou desde que você transicionou, desde que você começou a se identificar como travesti.
NIARA
Nossa, é essa dualidade mesmo, da concepção de família e comunidade pré-transição. No meu caso, por incrível que parece, minha família conseguiu me acolher bem, digo, minha família de Minas Gerais, porque aqui no Rio só mora eu e minha mãe. Eu sou daqui do Rio, minha mãe veio pra cá nova, ai me teve aqui e a gente mora aqui, só que eu sempre vou pra Minas.
Para minha mãe foi muito mais uma questão do que pro resto da minha família, porque ela é evangélica, então eu tive uma criação e concepção de família evangélica, que é muito problemática. Nem quando eu não era reconhecida como travesti, essa família me representava, porque eu já vinha de um desestruturamente familiar, pois não tenho pai, fui mais uma criança preta sem pai, e dai por ser uma travesti eu sempre tive - com certeza você também já teve - essa energia desde criança, porque a gente tem, não tem como fugir disso, então as pessoas sempre percebiam e faziam comentários que eram levados para minha mãe nesse sentido de “olha só, esse teu filho vai virar viado”, e erraram né porque sou travesti não sou viado.
E aí, depois da travesti chegar, de eu florescer nesse sentido, foi muito louco perceber que no começo a minha mãe foi muito mais complicada, agora minimamente ela tem melhorado, ainda não é o esperado, mas já se foram 2 anos que eu transicionei então uma hora as pessoas se acostumam né.
então as pessoas sempre percebiam e faziam comentários que eram levados para minha mãe nesse sentido de “olha só, esse teu filho vai virar viado”, e erraram né porque sou travesti não sou viado.
Meu entendimento de família mudou bastante e eu entendo agora como algo muito subjetivo, porque pra mim, família são pessoas que vão te acolher, te dar suporte, afeto, e não te jogar pra baixo. Por isso acredito muito nesse sentido de ter uma família transcentrada, é muito importante. E as pessoas que a gente vai conhecendo durante a nossa trajetória, principalmente aquelas que já transicionaram antes da gente e que foram pessoas que, querendo ou não - não sei se pra você foi da mesma maneira - mas eu tinha amigas travestis que falavam “mona, você é travesti, hello, acorda” e eu ficava “mona, não, que isso, eu sou só uma bicha, para, não” porque a travestilidade sempre ficou nesse lugar distante, que nunca fosse nada que eu cogitava por, principalmente vir de uma família evangélica, que acaba enraizando a culpa cristã.
Eu me proponho mais a me relacionar com outras pessoas trans porque eu também quero ser mãe um dia, quero me casar, ter minha família bonitinha, quero ter uma bebê com a minha cara, e tem essa possibilidade, quando há relação de uma travesti com um trans masculino, por exemplo. Penso muito nisso e como pra mim é muito melhor me relacionar com pessoas que compreendem meu corpo, que não veem meu corpo como só um objeto de desejo.
Quando você se relaciona com outras pessoas trans, você acaba criando outras redes, outros contatos, e isso é muito importante pra você não se sentir sozinha, jogada no mundo, como muitas vezes no começo da transição me senti. Até porque transicionei no começo de 2020, na pandemia, então era eu sozinha morando com minha mãe e meu padrasto, ou seja, foi bem difícil.
E agora é muito louco, porque às vezes eu esqueço que existem as pessoas cis, porque eu to tão nesse role que pra mim às vezes é tipo “porra, como assim um homem tem pau e uma mulher tem buceta, gente não é assim que funciona”. Família pra mim são pessoas que de fato vão te entender e te acolher, por mais que nem tudo sejam flores nesse rolê de transcentrar, mas acho que é muito importante, de se conectar com pessoas como nós e trazer novas perspectivas de famílias a partir disso. E comunidade pra mim acaba que é a mesma coisa.
BONI
Total! Eu sinto isso também, eu já vivi muito de falarem “não, mas tu é travesti, minimamente trans” e aí você vai se descobrindo. Eu boto muita fé.
E para você, qual sua relação com arte e cultura no Brasil?
NIARA
O tipo de arte que eu gosto de consumir é tudo aquilo que realmente foge da normatividade, não só nesse sentido de gênero, mas de tudo que as pessoas consideram do que é cultura, do que é arte. Eu gosto muito de funk, eu sou muito funkeira mesmo, é meu gosto musical favorito. Ai justamente o funk pra mim tem essa relação de quando eu era da igreja e que eu ficava ouvindo super escondida, porque eu ouvia na escola e achava incrível, “ah que não sei o que, pau na xerereca”, eu sempre gostei muito e também por morar numa favela, sempre tive desde que eu era criança, proximidade.
E é um estilo de música que é considerado podre pelas pessoas, não é arte, não é cultura, sendo que é toda uma tecnologia, com várias referências muito fodas pra chegar onde o funk e toda sua construção chegou hoje. Então eu gosto muito de tá nesses lugares e geralmente artistas que eu ouço, são também outras travestis, tem agora uns meninos trans que conheci recentemente, e eles têm umas músicas bafo.
mas também é bom mostrar que eu to viva, que eu to existindo, que to só cada dia mais linda, cada dia mais sendo eu, conseguindo me fortalecer, de uma maneira que anos atrás seria muito difícil pro meu corpo estar onde eu estou hoje, tendo um emprego, tendo faculdade, tendo condições de poder minimamente existir.
Eu detesto museu, eu sou aquela pessoa que se for pra um museu é pra ficar rondando igual uma maluca, tira uma foto ali e acabou. Não curto esse tipo de arte mais normativa.
E também como eu falei, sobre a cultura Ballroom, é uma cultura marginalizada criada por meninas trans pretas estadunidenses para outras identidades femininas, no caso do Brasil das travestis, mulheres trans e agora tem uma movimentação muito legal também dos meninos trans que tão se encontrando, treinando e movimentando a cena a partir da vivência deles, que ta sendo muito foda. Então é um lugar onde eu consigo me sentir confortavel de falar “porra esse lugar é feito pra mim, é meu esse lugar, não vou abrir mão” enquanto outros lugares eu fico me questionando “porra será que era pra eu ta aqui, de verdade” porque ocupar por ocupar foda-se. Por exemplo, eu to na universidade, mas como eu faço pra permanecer nesse lugar tranquila? Como que outras vão acessar?
E essas festas clubers e techno, que eu vou e gosto, e que até tem várias pessoas trans, mas em sua maioria pessoas trans brancas, que vão conseguir acessar aquele lugar. Eu vou para lá penando, uma cerveja 13 reais, caralho. Porra vou beber como? Vou curtir como? Embora tenha a política de trans free, não é só sobre a entrada, é também sobre a permanência no rolê.
BONI
É ótimo ouvir tudo isso, porque é sempre bom lembrar que a arte e cultura são mil facetas e as facetas que a gente vive são tão importantes quanto. E a mesma coisa da faculdade, não adianta entrar se não consegue se manter, e eu sinto isso nos rolês que é muito pra inglês ver, é muito pra fazer a média, aí é difícil.
O que você acha que é a maior diferença entre se expressar online e ao vivo. E o que você acha que tem em comum nesses dois universos?
NIARA
Nossa, babado! Não sei o que tem em comum, mas acho que tem mais diferenças. Dentro da internet, não acho que seja necessariamente um espaço mais seguro, mas é um espaço onde você minimamente consegue se conectar com mais facilidade com outras pessoas como a gente. A internet tem essa facilidade, embora existem os assédios também, as pessoas xingando quando o post de uma pessoa trans viraliza, seja no twitter, no Instagram ou em qualquer lugar.
Já a rua é aquele lugar que você dá a sua cara a tapa e que tudo pode acontecer. Na internet, de certa forma, você acaba se protegendo mais porque você tá dentro da sua casa, você tá num lugar mais tranquilo.
Por exemplo, a própria cena Ballroom, como eu tava falando, é uma referência que vem de fora, ainda assim a gente tem nossas próprias referências aqui de dentro, nossa forma de seguir com a comunidade e com a cena é completamente diferente, e é válida.
Mas a gente precisa viver, se alimentar, fazer nossos corres, e existir, porque se a gente morre, cadê as referências né. Então a rua, embora seja muito perigosa, eu gosto muito dela. É sempre essa dualidade, porque eu tenho 1,81m de altura, então eu nunca passo despercebida, eu sou uma pessoa que acho que a passabilidade pra mim é uma coisa que não existe. Acho muito difícil alguém olhar e não catar, às vezes acontece, mas é muito raro, é muito mais fácil para outras meninas que ou são mais baixas, ou são brancas, que adquirem outras - porque é isso né, a terapia hormonal vai se dar diferente para cada corpo.
Eu gosto dessa percepção, desse incômodo das pessoas, delas olharem “olha ela tá ai, não posso fazer nada” ao mesmo passo que eu to ali e as pessoas podem fazer qualquer coisa, e isso é bom e ruim ao mesmo tempo, eu gosto e desgosto porque isso é perigoso, mas também é bom mostrar que eu to viva, que eu to existindo, que to só cada dia mais linda, cada dia mais sendo eu, conseguindo me fortalecer, de uma maneira que anos atrás seria muito difícil pro meu corpo estar onde eu estou hoje, tendo um emprego, tendo faculdade, tendo condições de poder minimamente existir. As coisas em comum, não sei muito bem o que seria em comum.
BONI
Eu boto muita fé. Eu tenho 1,90m de altura, então também vivo a questão de nunca passar despercebida.
NIARA
Nossa 1 e 90 deve ser punk, eu com 1 e 81 já acho.
BONI
É engraçado, o povo na hora me vê.
Ai a última pergunta que gostaria de fazer é: o que você gostaria que as pessoas fora do Brasil soubessem? Qualquer assunto, pode ser sobre a comunidade trans, sobre o Brasil.
NIARA
Acho que as pessoas de fora precisam entender, que as pessoas trans e travestis tem sua própria memória, sua própria história e vivência. Porque eu me lembro a primeira vez que fui na endócrina, ela tinha me recomendado de tomar o espironolactona como bloqueador sendo que eu queria tomar o acetato, ai ela falou “não, mas as meninas lá fora tomam espironolactona”, mas tipo as gatas que eu converso não usam espironolactona, essa porra não funciona, eu odeio, pior bloqueador do mundo, inclusive eu troquei já. As referências desses médicos que tratam nossos corpos são de fora porque nunca no Brasil souberam lidar com nosso corpo. Então acho que a gente obviamente precisa se cuidar, tomar a medicação, que não é brincadeira, a transição não é uma brincadeira, é um bagulho sério, só que, ao mesmo tempo nós temos as nossas próprias referências.
Por exemplo, a própria cena Ballroom, como eu tava falando, é uma referência que vem de fora, ainda assim a gente tem nossas próprias referências aqui de dentro, nossa forma de seguir com a comunidade e com a cena é completamente diferente, e é válida. As pessoas de fora tem esse olhar do Brasil como um nada, como se a gente não tivesse o que oferecer de bom, e o Brasil é um país foda nesse sentido das pessoas que fogem dessa norma cis heteronormativa, conseguem se sobressair em vários sentidos e tem várias referências de artistas, como a Lacraia, por exemplo, que era uma travesti pica e que passou por "n" situações durante a vivência dela, ou seja, eu não preciso pegar uma referência de uma gata de Pose para usar e me espelhar nela, posso pegar uma referência brasileira mesmo. Acho que é sobre valorizar nossa cultura de fato.
BONI
Sim, e até mesmo a Roberta Close que foi uma das maiores referências de beleza nos anos 80 e 90 aqui, e ela é uma travesti, e você não vai achar isso fácil em outros países. Então também é muito engraçado como tem muita nuance e muita contradição no Brasil, e isso faz a nossa cultura.
ENGLISH TRANSLATION FOLLOWS
BONI
Please state your name, age, occupation, and how you identify? And take the opportunity to talk about yourself, whatever you want people to know.
NIARA
My name is Niara. I'm 23 years old and currently an administrative assistant in an association called “They Exist, Incarcerated Women,” where we work with women who have experienced prison or are still inside. This includes cis women as well as trans and travestis*, and teenagers as well, cis, trans, and travestis who are in the socio-educational system*. I'm also in the last year, thank Deise*, of Social Work at UFRJ (Rio de Janeiro’s Federal University).
I'm a travesti. I don't understand myself as a trans woman. I don't think this nomenclature fits my body and who I am. Not that I have issues with people who identify that way - of course not - but me, Niara, I'm a travesti, and that's it.
I'm also part of the ballroom scene. I'm the overall princess of the House of Bushido, which is a house we have here in Rio de Janeiro. The ballroom community is very important to me in the sense of being among other travestis and other trans people because work and college are full of cis people, and that's very annoying for a travesti. I feel very alone in those spaces, so the ballroom scene ends up being this place of exchanges, acceptance, and some moments of fighting, but it is a very important space.
*Travesti is a Brazilian term used to define a part of the transfeminine population in Brazil.
*Deise is a term used by the LGBTQIA+ community in Brazil to play with the word God (Deus in Portuguese), making it a feminine word.
*Socio-educational system has a multidisciplinary team, inserted in the context of the inpatient units, which is committed to the effectiveness of the service-oriented towards socio-education and the guarantee of the rights of adolescents in conflict with the law.
Being a travesti in Brazil is like that song by Linna (Linn da Quebrada) in which she says, “Ew how delicious, how good it is to be a travesti.”
BONI
It's great as a way to bring a family together. It's very necessary. Now I'm going to ask a few more questions. What does it mean to you to be trans in the Brazilian context?
NIARA
It is a thing. Being a travesti in Brazil is like that song by Linna (Linn da Quebrada) in which she says, “Ew how delicious, how good it is to be a travesti.”
It is a mixture of fright and delight because we go through countless situations where we are denied exercising life. I have a job and go to college, but this is not the reality for most of the Brazilian trans and travestis community. I don't think it's about privileges because I'm a travesti, and in addition to that, I'm black. It’s about access, which many people don't have. And even then, transphobia is always there, knocking on our daily door. So it's hard to stay in those places, not just the places themselves, but the path towards them.
Even these days, I'm very scared. I was at my ex's house, then I went to the market, and when I was coming back, a guy said, “Wow, don't you work in Praça Mauá?” which is right next to my work. I thought, "I'm being watched by someone I don't know." I was really scared.
I kept thinking about the incident and how hard it is to be a travesti because he would only be admiring her from afar if I were a cis girl. He would not approach her, saying, “Hey, I know you from this place.” It could happen because cis men are trash, but it is much more difficult. Our bodies are much more susceptible to this type of violence, right? People think we're looking for sex all the time.
I don't even get sexually and intimately involved with cisgender people. I'm bisexual and get involved exclusively with other trans and travestis. It's crazy because these men believe that our body has no other option but to have that desire for a cisgender dick. That also says a lot about what it is like to be a travesti in Brazil. And I'm talking about this because I'm a travesti. I also understand the issues facing trans male bodies and non-binary people, but I can only discuss my experience.
It's leaving home without being sure you'll return without experiencing any violence. Even in the neighborhood where my college is located, I suffer the most harassment. How can you study in peace and quiet, with several cars honking, stopping thinking you're a prostitute, when you're just waiting for a bus to go home? It’s too hard.
Because I'm a travesti, I'm not a fag.
BONI
Yes, I feel that a lot too. There's a big spotlight on us, and it's a meat market. It seems that anyone who wants to can take a piece of us. On the contrary, our perception of reality is much more complex than most can imagine. These supposed freedoms are violence.
And what does family and community mean to you? And if that notion has changed since you transitioned or started to identify as a travesti?
NIARA
Wow, it's a duality. The pre-transition concept of family and community...In my case, my family was able to welcome me. My family is from Minas Gerais, and here in Rio, I live with my mother only. I'm from Rio; my mother came here when she was young and had me here. We live here, but I always go to Minas.
It was much more of an issue for my mother than for the rest of my family because she is evangelical. I had an evangelical upbringing and concept of family, which is very problematic. Even when I wasn't recognized as a travesti, this family didn’t represent me. I already came from a dysfunctional family because I don't have a father. I was another black child without a father.
Being a travesti, I always had - surely you had it too - this energy since childhood that there's no way to escape it. People always noticed and made comments that were said to my mother in the sense of, "Look, that son of yours is going to turn into a faggot.” And they were wrong, right? Because I'm a travesti, I'm not a fag.
And then, after, I flourished as a travesti. It’s crazy to realize that my relationship with my mother was much more complicated in the beginning. Now at least, she has improved, even though it's still not what I want. But it's been two years since I transitioned, so people get used to it after a while.
My understanding of family has changed a lot, and I now understand it as very subjective. Because for me, family is people who will welcome you, give you support, and affection, and not let you down. That's why I believe that having a transcentric family is very important. And the people we meet during our journey, especially those who have already transitioned before us.
I don't know if it was the same for you, but I had transvestite friends who said, "Mona*, you're a travesti. Hello, wake up,” I was like, “Mona, no. I'm just a faggot, stop. No.” Because being a travesti was always in this distant place. I never thought about it because of my evangelical family, which is rooted in Christian guilt.
I tell myself to date other trans people, because I also want to be a mother one day. I want to get married, to have my cute family. I want to have a baby with my face, and there is this possibility when there is a relationship with a travesti and a trans man, for example.
I think about it a lot and how much better it is for me to be intimate with people who understand my body and don't see it as just an object of desire.
When you date other trans people, you end up creating other networks and contacts. This is very important for you not to feel alone and thrown into the world, as I often felt at the beginning of my transition. Especially because I transitioned in early 2020 during the pandemic. I was alone, living with my mother and stepfather, which was very difficult.
And now it's crazy because sometimes I forget there are cis people. I'm so into this scene that for me, sometimes it's like, "Damn, what do you mean a man has a dick and a woman has a pussy, folks. That's not how it works.”
Family, for me, is people who will understand and welcome you. Even though not everything is flowers on this roller coaster, I think it's very important to connect with people like us and bring new perspectives of families from that. And community, for me, ends up being the same thing.
*Mona is a Brazilian slang born in the LGBTQIA+ community that loosely can be translated to ‘girl’, and it's mostly used for dissident feminine identities.
BONI
Totally! I feel that too, I've lived with a lot of people saying, “no, but you're a travesti, minimally trans,” and then you discover yourself. I put a lot of faith in that.
And for you, what is your relationship with art and culture in Brazil?
NIARA
The type of art I like to consume is everything that escapes normativity, not only in that sense of genre but of everything that people consider art to be. I like funk*. It's my favorite musical genre. I've had this relationship with funk since I was going to church. I kept listening to it secretly. I listened to it at school and thought it was amazing, “Blah, blah, blah, dick in the pussy.” I've always liked it, and living in a favela, I was very close to it growing up.
It's a style of music that is considered rotten by some people. It's not art, it's not culture, but it's a whole technology with references to other art. So I like being in these places, and generally, the artists that I listen to are also other travestis. There are now some transgender boys I met recently, and they have some amazing songs.
But it's also good to show that I'm alive. I'm existing. I'm getting more beautiful every day, becoming more myself every day, and managing to strengthen myself in a way that years ago would have been very difficult for me.
I hate museums. I'm that person who goes to a museum, hangs around like a crazy person, takes a picture here and there, and that's it. I don't like that more normative art.
And also, as I said about ballroom culture, it is a marginalized culture created by black American trans girls for other female identities. In the case of Brazil, it’s by and for travestis and trans women. There is also a very cool movement of trans boys meeting, training, and moving the scene from their experience. It's a place where I can feel comfortable and feel, "damn, this place is made for me. This place is mine. I'm not going to give it up," while in other places, I keep asking myself, "Damn it, should I be here?” Because occupying for just the sake of occupying, I say fuck it. For example, I go to university, but how can I remain in this place peacefully? How will others access it?
And club and techno parties, which I go to and like, have several trans people, but mostly white trans people who will be able to access that place. I'm going there struggling. A beer is 13 reais? Like, damn. How the fuck am I going to drink? How will I enjoy it? Although it has a free entry policy for trans people, it is not just about entry. It is also about being able to stay in the party.
*Funk is a genre of music made in Brazil’s favelas.
BONI
It's great to hear all this because it's good to remember that art and culture have a thousand facets, and the facets we experience are just as important. And the same thing happened in college. There's no point in getting into it if you can't keep up. I feel that at these parties, it's a lot for the English speakers to see, it's just about showing off, and that’s hard.
And what do you think is the biggest difference between expressing yourself online and in real life? And what do you think these two universes have in common?
NIARA
Wow, damn! I don't know what they share, but I think they differ more. On the internet, I don't think it's necessarily a safer space, but it's a space where you can connect more easily with other people like us. The internet makes it easy. Although there is harassment, like people cursing when a trans person's post goes viral, whether on Twitter, Instagram, or anywhere else.
On the other hand, the streets are where you put yourself out there and where anything can happen. On the internet, in a way, you end up protecting yourself more because you're inside your house and in a quieter place.
But we need to live, feed ourselves, do our chores, and exist because if we die, where are the references? So the streets, although it is very dangerous, I like it a lot. It's always this duality. Because I'm 1.81m tall, I never go unnoticed. I'm a person who thinks passability is something that doesn't exist for me. I find it very difficult for someone to look and not pick up. Sometimes it happens, but it's very rare. It's much easier for other girls who are either shorter or white. Hormone therapy will be different for every other body.
I like this perception and discomfort in people looking and being like, “Look, she's there, I can't do anything.” At the same time, people can do anything, and that's good and bad at the same time. I like it and dislike it because that's dangerous. But it's also good to show that I'm alive. I'm existing. I'm getting more beautiful every day, becoming more myself every day, and managing to strengthen myself in a way that years ago would have been very difficult for me. My body is where I am today, having a job, going to college, and being able to exist at the most basic level.
BONI
I get that. I'm 1.90m tall, so I also live with the issue of never going unnoticed.
NIARA
Damn, 1.90 must be hardcore. I’m 1.81m tall, and it already feels like a lot.
BONI
It’s funny. People notice me so quickly.
Then, the last question I would like to ask is: what would you like people outside Brazil to know?
NIARA
I think people outside Brazil need to understand that trans people and travestis have their own memory, their own history, and experience. Because I remember the first time I went to the endocrine clinic, she had recommended I take spironolactone as a blocker, and I wanted to take acetate. Then she said, “No, but the girls out there take spironolactone.” But the girls I talk to don't use spironolactone, that shit doesn't work. I hate it. The worst blocker in the world. I even changed it already. The references of these doctors who treat our bodies are from abroad because they never knew how to deal with our bodies in Brazil. So I think we obviously need to take care of ourselves and take medication, which is not a joke. Transitioning is not a joke. It's a serious thing.
But at the same time, we already have our references. For example, the ballroom scene is a reference from abroad, yet we have our references from within. Our way of moving forward with the community and the scene is completely different and valid. People abroad view Brazil as nothing. As if we had nothing good to offer. Brazil is an awesome country in the sense of people who escape this heteronormative cis norm and manage to excel. There are several references from artists, such as Lacraia, for example, who was a travesti and who went through numerous situations during her lifetime.
I don't need to take a reference from a doll from Pose to use and mirror myself. I can get a Brazilian reference. I think it's about really valuing our culture.
BONI
Yes, and even Roberta Close, who was one of the biggest beauty references in the 80s and 90s here. She is a travesti; you won't find that as easily in other countries. So it's also really funny how there's a lot of nuance and contradictions in Brazil, and that's what makes our culture.