BONI
Primeiramente, se você puder se apresentar: nome, idade, como você se identifica e falar um pouco de você, em geral.

MAITÊ
Meu nome é Maitê, tenho 22 anos, sou do Rio, sou estudante de artes, trabalho como modelo de forma esporádica, sempre que tenho oportunidade. E também agora, eu estou aprendendo a cozinhar, tô tentando explorar esse meu lado cozinheira. Tô vivendo entre essas oportunidades que a vida me dá, e tentando tirar o melhor disso.

Mas a gente vai tentando, é um passo de cada vez até chegar lá, até chegar onde a gente almeja, até se sentir bem na nossa própria pele.

BONI
E o que significa para você ser travesti no contexto brasileiro?

MAITÊ
Eu acho que é transcender o gênero que me foi imposto ao nascimento. Me transformar em quem verdadeiramente sou e poder externalizar isso da melhor forma possível, pra mim e para o outro que me vê. Eu quero que ele me veja como eu me vejo.

Mas também extremamente difícil, porque a gente vive num território que é muito nocivo a nossa comunidade, e estão o tempo todo tentando nos matar, nos enfraquecer, tanto enquanto indivíduos plurais, quanto coletivo. Então é muito difícil, muitas das vezes pensei em desistir, enfim, deixar de lado quem eu era, tentar fingir ser uma pessoa que eu não sou, que não é intrínseco a essa daqui que está falando com você. Mas a gente vai tentando, é um passo de cada vez até chegar lá, até chegar onde a gente almeja, até se sentir bem na nossa própria pele. Viver nesse território hostil é muito complicado, ainda mais sendo uma pessoa trans.

Maitê para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
Pegando isso, o que significa família e comunidade para você, e se isso mudou desde que você começou a se identificar como travesti.

MAITÊ
Família vai muito além do laço sanguíneo, mas graças aos orixás eu tenho uma família muito acolhedora, muito forte, que me apoia, que me dá força em qualquer situação e eu acho que o conceito de família, no presente, é estar cercado de pessoas que nos fazem bem né, que quer o nosso bem, que nos enxergam além de suas expectativas.

A arte me transformou, então eu quero transformar pessoas também.

BONI
Você tinha esse mesmo pensamento antes de transacionar?

MAITÊ
Não, eu tinha muito receio, na verdade, desse lugar que a gente tá inserida, mas hoje em dia sou muito bem compreendida.

BONI
Sempre é bom ouvir que é uma realidade isso.

E como você se vê em relação à cultura e arte no Brasil, como você se envolve, como você consome.

Maitê para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

MAITÊ
Eu tô envolvida nesse cenário a bastante tempo, embora tenha pouca idade, e é muito bonito ver como nossa arte tá indo pro mundo afora, cada vez mais forte, saindo da periferia, da favela, de coletivos como FudidaSilk, Atelier Transmoras, enfim, tantos outros. É muito bonito, muito forte, estar inserida dentro desses espaços e poder me transformar e fazer com que minha arte transforme pessoas e grupos.

BONI
Sim, eu adoro que muitas pessoas relacionam isso, como a gente tem essa vontade de fazer arte para mudar e ajudar os outros, a gente sempre tem esses resquícios disso na gente.

MAITÊ
A arte me transformou, então eu quero transformar pessoas também. Acho que é nosso papel.

BONI
Qual você acha que é a maior diferença entre ser você online e na vida real?

MAITÊ
Online eu posso ser várias pessoas, eu posso expor minha opinião sem medo, acho que é uma sensação que toda pessoa que usa internet sente, que por detrás daquele perfil você se sente protegida, você pode falar o que você quiser, você pode expor sua opinião, pode colocar sua imagem ali, que a pessoa não vai saber se é você mesmo ou um personagem. Mas na vida real isso é totalmente diferente, eu sinto que eu, particularmente, preciso me policiar o tempo todo, tanto no que eu falo, tanto na forma de me vestir ou de me posicionar, eu sinto muito esse receio na vida real, no dia a dia. A internet me possibilita esse espaço de me expor, estar exposta.

Maitê para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
No online a gente escolhe ser exposta, mas na vida não tem opção né. E o que você gostaria de falar para as pessoas fora do Brasil? O que você acha que os gringos deveriam ouvir?

MAITÊ
Primeiro de tudo, que o Brasil vai muito além de bundas e curvas, que a gente é rico, culturalmente, gastronomicamente, que a gente é uma terra muito plural, muito diversa, onde você vai encontrar pessoas de todo tipo, falando vários sotaques regionais. A gente tem uma grande potência artística e cultural, e é para eles olharem com outros olhos, com outro prisma, que vai muito além da glamourização de Copacabana, Leblon. Olharem para a Baixada também e verem como é enriquecedor, como é um espaço de muito acolhimento, muita cultura e muito poder de transformação.

BONI
Se você tiver algo para comentar.

MAITÊ
Queria muito agradecer a oportunidade. Acho que foi o melhor trabalho que já fiz assim, porque estar próxima às pessoas com a vivência parecida com a minha é muito enriquecedor. Queria agradecer a você, a Kai, e toda galera por trás disso, que fez acontecer.

Maitê para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
É ótimo poder estar no meio de coisas que proporcionam isso. Adoram nossa imagem, apesar de falarem tanto, mas dessa vez essa imagem é feita e mostrada também por uma pessoa trans, e lá fora, pra mais gente.

MAITÊ
Acho isso muito gratificante.

ENGLISH TRANSLATION FOLLOWS

BONI
First, can you introduce yourself: name, age, and how you identify? Tell us a little about yourself.

MAITÊ
My name is Maitê. I'm 22 years old, and I'm from Rio. I'm an art student and work as a model whenever I can. I’m also learning to cook. I'm exploring my cooking side. I'm living among these opportunities that life gives me and trying to make the best of them.

BONI
And what does it mean for you to be a travesti* in the Brazilian context?

*Travesti is a Brazilian term used to define a part of the transfeminine population in Brazil.

It's one step at a time until we get there. Until we get where we want. Until we feel good in our skin.

MAITÊ
It's about transcending the gender that was imposed on me at birth. Transforming myself into who I truly am and being able to externalize this in the best possible way, for myself and for others who see me. I want them to see me the way I see myself.

But it's also extremely difficult because we live in a very harmful territory to our community. They constantly try to kill and weaken us as individuals and as a collective. I thought about giving up many times and leaving aside who I was. To pretend to be someone I'm not, who is not intrinsic to the person talking to you. But we keep trying. It's one step at a time until we get there. Until we get where we want. Until we feel good in our skin. But living in this hostile territory is very complicated, especially as a trans person.

Maitê for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What do family and community mean to you, and has that changed since you started to identify as a travesti?

Art has transformed me, so I want to transform people too.

MAITÊ
A family goes far beyond blood ties, but thanks to the orixás (ancestors), I have a welcoming, strong family supporting me. They give me strength in any situation. And I think that the concept of family, at the moment, is to be surrounded by people who do us good, who want our good, and who see us beyond their expectations.

BONI
Did you have that same thought before transitioning?

MAITÊ
No. I was really afraid of this place we're in, but now I understand.

BONI
It's always good to hear that. And how do you see yourself in relation to culture and art in Brazil? How do you get involved? How do you consume?

MAITÊ
Although young, I've been involved in this scene for a long time. Seeing how our art goes around the world, stronger and stronger, leaves the periphery, the favela, and collectives like Fudida Silk, Atelier Transmoras, and so many others is beautiful. It's very beautiful and strong to be within these spaces and to be able to transform myself and make my art transform people and groups.

BONI
I love that many people relate to this desire to make art to change and help others. We always seem to have these remnants of that in us.

MAITÊ
Art has transformed me, so I want to transform people too. I think it's our calling.

Maitê for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What is the biggest difference between your online self and you in real life?

MAITÊ
Online I can be several people. I can express my opinion without fear. I think it's a feeling that everyone who uses the internet feels: behind that profile, you feel protected. You can say whatever you want. You can share your opinion and put your image there; the person won't know if it's you or a character. But in real life, this is different. I feel that I, particularly, need to check myself all the time, both in what I say and how I dress or position myself. I feel this fear a lot in real life, day to day. But the internet allows me this space to expose myself, to be exposed.

Maitê for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
We choose to be exposed online, but there is no option in real life. And what would you like to say to people outside Brazil? What do you think gringos* should listen to?

*Gringo is slang for people born outside Brazil

MAITÊ
First of all, Brazil goes far beyond ass and curves. We are rich culturally and gastronomically. We are a very plural, diverse land where people of all kinds speak various regional accents. We have a great artistic and cultural power for them to look at it with different eyes, with another perspective, which goes far beyond the glamorization of Copacabana, Leblon. Look at the Baixada* too, and see how enriching it is, how it is a welcoming place with many cultures and the power of transformation.

*Baixada is a region in the state of Rio de Janeiro

BONI
Anything else you would like to share?

MAITÊ
I want to thank you for the opportunity. I think it was the best job I've ever done like this. Being with people who have a similar experience to mine is very enriching. I want to thank you, Kai, and everyone behind this, who made it happen.

Maitê for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
It's nice to be in the middle of all of this. They love our image, and this time the images are also made and shown by a trans person to more people.

MAITÊ
I find that very rewarding.

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