BONI
Por favor, se puder falar seu nome, idade, ocupação, e como você se identifica. E já aproveitar pode falar um pouco de você.
AZULA
Sou Azula, tenho 30 anos, sou do Rio de Janeiro, zona Oeste, mas fui criada na baixada Fluminense, região metropolitana. Sou cantora, trabalho com música a aproximadamente 7 anos, tô produzindo meu trabalho, tenho música lançada, produzindo clipes, fiz alguns trabalhos aí interessantes, ano passado cantei no Rock 'in Rio. Tô aí colocando minha arte pra rolo.
A perspectiva do meu trabalho é memória travesti, pois eu vim do debate de memória da graduação em História que fiz. Comecei a trazer isso para música, pensar como isso se comunicava comigo, e a partir das mortes de muitos amigos e estudantes, pessoas próximas, eu comecei a observar melhor como que a questão do genocídio ela tava vinculada a gente em todos os aspectos da nossa vida e estar na universidade não mudava essa situação, deixava talvez ela mais difícil de acontecer, mas ela continuava, sim, acontecendo. Então com isso comecei a pensar como eu poderia contribuir contra isso, escrever sobre isso.
Quando eu cheguei na música, eu estava num processo bem forte com a depressão, eu precisei encontrar o que me desse sentido, acho que meu trabalho está muito voltado a essa produção de sentido, que é algo que acontece muito quando a gente tá passando por situações traumáticas. Essa é a forma da gente conseguir ressignificar as coisas, ir para um lugar melhor para nossa mente e para outras pessoas.
BONI
Total, muito foda. Parabéns pelos trampos e pelas coisas rolarem, muito chique.
Agora, o que significa para você ser travesti no contexto brasileiro?
AZULA
Significa uma coisa muito brasileira (risos). São muitas questões, acho que a travestilidade é uma identidade muito daqui, muito nacional, construída no suor, no sangue, na vontade de viver, nas culturas outras, porque a gente com o pajubá, nas nossas formas de falar e agir, elas não são tradicionais e não estão vinculadas a família cristã, são outros lugares de informação.
A travestilidade ela é o constructo da cultura nacional, não existe Brasil sem travesti, não existe Brasil sem uma mona na favela gritando ‘mona’, e para ter uma mona cis na favela gritando ‘mona’ é porque existiu uma travesti nessa favela pra poder trazer esse tipo de questão para lá. Ser travesti no Brasil é isso, ser uma pessoa num corpo, como a gente costuma dizer, não masculino mas também não feminino, no sentido de mulher tradicional, não é que eu esteja numa reflexão não binária, mas eu me percebo num lugar de não-mulher porque mulher é uma coisa muito distante de mim, muito pautado no universo branco, no universo cisgênero, no universo de várias coisas que não nos compreende, e acho que isso reafirma ainda mais a travestilidade, essa mulher nacional, esse produto nacional, made in Brasil.
BONI
Bafo, é ótimo ouvir trocas de perspectivas, centralizar a narrativa pelo outro lado. E sim, é a essência do Brasil, muita coisa aconteceu por causa da nossa presença, da presença de pessoas pretas também.
O que significa família e comunidade para você, e se esses conceitos mudaram após você começar a se identificar como travesti.
AZULA
Com certeza. Família e comunidade sempre foi um entrave para mim, acho que tive vários processos na vida que me levaram a depressão, que me levaram a um lugar de exclusão, mental e depois corpórea, e que tava muito ligada a pressão, com todo o processo familiar que não tinha muito a ver comigo né, que meu corpo não se apresentava da forma que gostariam que se apresentasse.
Foi muito interessante quando eu me entendi, finalmente, travesti, assim conseguir entender que toda a história da minha vida significava que eu era uma travesti. Eu vi o quanto os meus silêncios e meus processos de ficar comigo mesma estavam vinculados a essa inadequação, às vezes eu simplesmente chorava, não conseguia nem entender porque eu tava naquele lugar, eu observando os trabalhos que tive antes de me dimensionar como Azula, como que aquela pessoa, artista, não conseguia alcançar a pessoa que eu consigo alcançar hoje, os lugares que eu consigo alcançar no meu corpo, na minha mente, na minha arte hoje.
Então tudo está vinculado a esse lugar, minha família é evangélica, então família teve peso 2, peso 4 para mim. E escola é uma comunidade também, que tá na nossa vida durante 10, 15 anos. Esses lugares me deixavam muito travada, quando eu aflorava a feminilidade aquilo era cobrado, me faziam retrair, então durante muito tempo foi doloroso para mim, até que consegui alcançar a vida adulta e só a partir daí que fui começando a quebrar essas amarras mentais para chegar num lugar melhor. Foi bem babado.
Hoje eu penso que construí uma parada muito legal com minha família, com a minha mãe e meus irmãos, depois de muita luta, de muito ranger de dente, e ainda é um processo que vai continuar sendo difícil, mas eu consigo também achar um lugar de amor e afeto na minha família. Acho que isso também tem muito a ver com o momento que estamos vivendo hoje, onde existem algumas pequenas aberturas, alguns pequenos buraquinhos onde a gente tá conseguindo respirar melhor nas famílias.
Mas acho que historicamente as famílias pra nós sempre foi nós por nós, então com todas as complicações da vida, da falta de amor, de várias coisas que a gente vive, que faz com que nós mesmas em algum momento ou outro nos machuquemos, nós somos a nossa própria família, nós estamos o tempo inteiro nos construindo, nos projetando, financiando nós mesmas, é a gente que bota dinheiro na gente, quando a gente paga uma passagem de ônibus pra mona, às vezes fazer um corre, é a gente que tá investindo na gente, um dinheiro que em outro momento seria dado por um pai, uma mãe.
As houses e todo o processo Ballroom, no Brasil inteiro, e outras culturas que a gente já traz aí dentro da nossa perspectiva, demonstram que família pra gente significa muitas coisas.
Estamos vivendo como se fosse um processo transitório na indústria musical de perceber nossos corpos. Eles vão ser obrigados a admitir, porque é isso, nós somos o Brasil.
BONI
Como você se vê em relação à cultura e arte aqui no Brasil?
AZULA
Sufocada (risos). É o bloco do ‘eu sozinho’, porque é sempre a única travesti do não sei o que, a única travesti do não sei aonde. Eu conheço 50 cantoras travestis, e eu posso contar só as 50 do Rio que eu conheço, tirando as 50 de São Paulo, e assim por diante. E quando eu não conheço, eu conheço quem conhece. Eu poderia fazer rapidamente um casting em qualquer lugar do país com 50 cantoras travestis que eu conheço ou que minha rede conhece, mas mesmo assim o processo da indústria é um funil absurdo, que gera na gente esse sentimento de ser uma só pessoa num espaço com dez milhões de pessoas cis.
É muito complicado a forma como muitas vezes a gente acaba trabalhando, tipo no mês da consciência negra, mês da visibilidade trans, que são só esses meses que eles vão solicitar nosso trabalho, então ainda tá muito vinculado a esse lugar. Ao mesmo tempo que essa também é nossa arma para conseguir angariar fundos, então é um trabalho muito louco. Existe um espaço para você estar, você precisa pegar tudo que você puder daquele espaço porque é o momento que você vai ter para ter sua ação ali. Realmente muito difícil, muito complicado, as pessoas ainda não sabem muito bem lidar com a gente nos espaços.
Acaba que tem uma capa de artista, que faz com que as pessoas fiquem quase sem gênero e sem cor, mas é até a página dois. É muito lindo quando você tá no palco, mas quando você desce para as negociações, os processos para além do momento que você deixou de ser uma coisa mágica onde as pessoas estão venerando e adorando, é uma coisa completamente diferente do processo artístico, então é bem complicado.
E a gente tá criando um espaço para nós, tem uma Liniker, uma Jup, umas monas no rap, umas Irmãs de Pau, Sodomita e tal. Estamos vivendo como se fosse um processo transitório na indústria musical de perceber nossos corpos. Eles vão ser obrigados a admitir, porque é isso, nós somos o Brasil.
BONI
E tá ai! Produzindo muito mais e muito melhor que muita gente, então vai ter que aceitar mesmo.
Para você, qual que a maior diferença entre se expressar, ser quem você é online e na vida real? E se tem alguma coisa em comum nesses dois universos que a gente vive.
nós estivemos sempre lutando, nós estivemos sempre brigando, por isso ser travesti não é só a palavra dada pelo outro, é toda uma corporeidade de mulheres que passaram por várias coisas e que podem se autodeterminar dessa forma.
AZULA
Eu acho que nada! Claro, eu acho que ser artista é uma parte de mim que nem todas as outras partes, eu acho que é isso, se você é um professor, quando você entra na sala você tem aquela capa do professor, ele não é outra pessoa, ele é o professor, ali é o momento dele, é uma face dele. Acho que ser cantora é uma face de mim. E que nem o teatro ensina, aquela coisa de você estar num palco e as pessoas podem estar a 30 metros de distância, então as coisas precisam ser grandes para que as pessoas consigam ver, acho que expressar arte tá nesse lugar, de deixar as coisas grandes, é como se fosse circular algo coisa em um papel gigante, e as pessoas ficam presas naquela parte.
Quando eu volto pra minha vida normal, é um lugar completamente diferente, e expressar isso na internet é outra coisa pra mim. Quando eu tô em casa eu tô assumindo um corpo de normalidade, então tem uma dificuldade muito maior de entrar nesse lugar, de circular e de me expressar. É uma questão muito forte para mim, porque eu fico tentando entender quais são os limites do processo, porque de alguma forma preciso mostrar minha vida, né, é uma reivindicação da indústria, e uma questão do público que quer te conhecer e também tem a ver com a indústria porque gera essa demanda no público.
Aí vem a ser uma negociação que eu tenho que fazer. Mas até aonde vou com isso, é uma coisa muito difícil eu acho pro artista, porque como a gente tá vendendo um conteúdo excessivo o tempo todo ali na rede, um conteúdo gratuito inclusive, chega uma hora que você já não sabe mais em que momento você está sendo você. Mas é isso, tudo é você, ser artista e ser pessoa, enfim.
Acho que em algum momento a particularidade pode ficar pequena demais, mas acho também que é um espaço muito forte que pode democratizar demais a arte pras pessoas, e que pôde possibilitar que a gente conseguisse furar alguns bloqueios que a indústria colocava, se você não tivesse uma gravadora, se você não tivesse um lugar assim ou assado, você não conseguia expor sua arte.
Hoje as pessoas conseguem fazer, com a internet, coisas diversas e aí depois elas acabam fazendo com que a indústria precise engolir elas no preço e no padrão que elas estipularam na rede. É uma coisa que precisa ser pensada com muita seriedade, que senão a gente se perde demais das coisas, mas precisa ser feito né.
BONI
Última perguntinha é: o que você gostaria que o povo fora do Brasil soubesse? Sobre qualquer coisa, sobre você, sobre a comunidade, sobre o Brasil
AZULA
Aqui se produz conhecimento, arte de formas muito específicas, de formas que tem a ver muito com as nossas vivências. Nossa, o que eu poderia falar pras pessoas… o que as pessoas precisam saber sobre o Brasil? Isso é uma pergunta muito difícil, mona. Não sei, tem tanta coisa pra falar que eu nem saberia por onde começar. Olha, é uma loucura.
Brasil, ao longo da sua história, está produzindo e brigando pela memória, pela memória das pessoas que construíram isso aqui, e das novas memórias que estão sendo pensadas para que a gente possa finalmente dizer o que é o Brasil de verdade, porque até então muitas mentiras foram ditas, e eu acho, que dentro e fora do país, as pessoas acreditam em muitas mentiras contadas.
Esse momento da arte travesti, esse momento de pessoas PCD falando na arte, na política, esse momento de pessoas negras, onde a periferia tá gritando e bradando, é um momento de muita reflexão que está sendo feito com muita dor, com muito ranger de dente dentro da nossa nação, mas que pode verdadeiramente chegar a compreender as especificidades dessas populações que são imensas e diferentes. A gente não é um povo que é igual. E entender isso sempre foi difícil porque a narrativa sempre foi de uma pessoa só, então era uma narrativa gigante sobre uma parte que parecia ser o todo, mas que era apenas uma parte, talvez até bem menor do que a gente imagina e que explica muito menos do que podemos dizer que é o Brasil.
Travestilidade, por exemplo, é um termo que só existe aqui, é um termo que tá impresso para definir pessoas trans, mas é uma forma como o Brasil, muito antes de muitas teorias trans que a gente conhece e que tá aí pelo mundo, girando e podendo agilizar a vida de muita gente, já existia e já conseguia definir com muita maestria a vida e a vivência dessas pessoas. É também sobre as ressignificações que eu acho que nosso contexto de ex colônia produz, várias palavras, termos e condições que foram dadas para nós, que nós hoje ressignificamos, refazemos, revivemos, porque até no momento que elas foram dadas para nós, elas não nos produziram um lugar de imobilidade, nós estivemos sempre lutando, nós estivemos sempre brigando, por isso ser travesti não é só a palavra dada pelo outro, é toda uma corporeidade de mulheres que passaram por várias coisas e que podem se autodeterminar dessa forma.
BONI
Disse tudo! Chique!
English translation follows
BONI
Please tell us your name, how you identify, your work, and anything else that comes to mind when introducing yourself.
AZULA
I'm Azula. I'm 30 years old. I'm from Rio de Janeiro, West zone, but I was raised in Baixada Fluminense, Metropolitan region. I'm a singer. I've been producing my work with music for about seven years. I've released music, produced clips, and done some interesting work. Last year I sang at Rock 'n Rio. I'm putting my art out there.
The perspective of my work is travesti* memory because I came from the memory track for my history degree. I started to bring this to music and think about how it communicated with me. And from the deaths of people close to me, many friends and students, I began to observe better how the issue of genocide was linked to us in all aspects of our lives. Being at the university did not change this situation. So with that, I started thinking about how to contribute and write about it.
When I got into music, I was in a very tough place with depression. I needed to find what gave me meaning. My work is very much focused on this production of meaning, which happens often when we are going through traumatic situations. This is how we redefine things and get to a better place for our minds and other people.
*Travesti is a Brazilian term used to define a part of the transfeminine population in Brazil.
BONI
Totally, so awesome. Congrats on your work and on all things happening. Very nice.
What does it mean for you to be a travesti in the Brazilian context?
AZULA
It means something very Brazilian (laughs). There are many aspects. Being travesti is a very local national identity built on sweat, blood, the will to live, and other cultures. We are with the pajubá*in our ways of speaking and acting. They are not traditional and are not linked to the Christian family. These are other types of knowledge.
Being travesti is building the nation’s culture. There is no Brazil without us. There is no Brazil without a mona* in the favela shouting 'mona.' To have a cis mona in the favela shouting 'mona' is because there was a travesti in that favela who brought these discussions there. Being a travesti in Brazil is being a person inside a body, as we say, not male but also not female. In the sense of a traditional woman, it's not that I identify as non-binary, but I perceive myself in a place of non-woman. A woman is something very distant from me. It’s very much based on the white universe, on the cisgender universe, on the universe of several things that do not understand us. This reaffirms even more what it means to be travesti, this national woman and product made in Brazil.
*Pajubá is Brazilian cryptolect, "the speaking in the language of the saints" or "rolling the tongue." Much used by the "saint people" (priests of African religions) when one wants to say something so that other people cannot understand.
*Mona is a Brazilian slang born in the LGBTQIA+ community that loosely can be translated to ‘girl,’ and it's mostly used for dissident feminine identities.
We are building ourselves all the time, projecting ourselves, financing ourselves, and we are the ones who put money into us.
BONI
Amazing, it's great to hear perspectives being shifted, centering the narrative from the other side. And yes, it is the essence of Brazil. A lot has happened because of our presence and the presence of black people as well.
And what do family and community mean to you, and whether these concepts changed after you began to identify as a travesti?
AZULA
For sure. Family and community have always been an obstacle for me. Several events in my life led me to depression, which took me to a place of mental and physical exclusion. That was very much linked to pressure. And my body didn't look how they wanted it to look.
It was very interesting when I finally understood myself as a travesti. I understood that the whole story of my life meant that I was a travesti. I saw how much my silence and my processes of being with myself were linked to this inadequacy. I cried sometimes. I couldn't even understand why I was in that place. I was looking at the jobs I had before becoming Azula, how that person that artist, could not be the person that I can be today. Today, I can reach these places in my body, mind, and art.
Everything is linked to this truth. My family is evangelical, so family weighed two to four times more for me. School is also a community, which ends up lasting for 10 - 15 years of our lives. These places made me very blocked. When I showed femininity, it was weaponized against me. They made me withdraw. It was painful for me for a long time until I managed to reach adulthood, and only from then did I break these mental ties to get to a better place. It was pretty hardcore.
Today I have built a really nice thing with my family, mother, and brothers after a lot of struggle and teeth-grinding. It is still a process that will continue to be difficult, but I can find a place of love and affection in my family. This also has a lot to do with the moment we are living in now. There are some small openings, some small holes where we are able to breathe better in our families.
But historically, families for us have always been us for us. With all the complications of life, the lack of love, and the things we go through that get us hurt at some point, we are our own family. We are building ourselves all the time, projecting ourselves, financing ourselves, and we are the ones who put money into us. When we pay for a bus ticket for a friend to go to a job, it is us who is investing in us. Money that at another time would be given by a father or a mother.
The entire ballroom scene and the houses, all over Brazil and in other cultures, demonstrate that family means many things to us.
BONI
How do you see yourself in relation to culture and art here in Brazil?
AZULA
Screaming (laughs). It's the 'me alone' block. It's always the one travesti from I don't know what, the one travesti from I don't know where. I know 50 travesti singers. I can count the 50 from Rio that I know, and then there are 50 more from São Paulo and more. And when they say I don't know, I know. I could quickly do a casting call anywhere in the country with 50 travesti singers that I know or that my network knows. Even so, the industry process is an absurd funnel, which generalizes us in this feeling of being a single person within a space with ten million cis people.
The way we end up working is very complicated. Black Awareness Month, and Trans Visibility Month, are the only months when they will request our work. It's still very much linked to identity. At the same time, this is also our weapon to raise funds, making it a crazy job. There is space for you to be. You need to take everything you can from that space because that is the moment you will have to do your thing. It’s very difficult and complicated. People still don't know how to deal with us in many spaces.
We're creating a space for ourselves. There's a Liniker, a Jup, some gals in the rap scene, some Irmãs de Pau, Sodomita, etc. We live as if it is a moment in the music industry that they realize our bodies. They will be forced to admit it. Because that's it, we are Brazil.
BONI
And that’s it! They will have to accept us if we’re producing much more and much better than many people.
What is the biggest difference between expressing yourself and being who you are online and in real life? And is there anything in common between these two universes that we live in?
That's why being a travesti is not just a word that was given by the other. It is a whole community of women who have gone through challenges and choose who they are in this way.
AZULA
I think nothing! Of course, being an artist is a part of me, like all the other parts. That's it. When you enter the room, you have that teacher's persona if you are a teacher. They are not another person; they are the professor. It is a facet of them. Being a singer is one facet of me. And just like theater teaches, things need to be big when you're on stage, and people are 30 meters away. Expressing art is in this place of making things big.
When I think about my normal life, it's completely different. Expressing that on the internet is another thing for me. When I'm at home, I assume a body of normality, so it's much more difficult to enter this space, to sell and express myself. It's a very strong question for me because I keep trying to understand the process's limits. Somehow I need to show my life; it becomes a demand from the industry. It’s for the public that wants to know you and also has to do with the industry because it generates this public demand.
There is a negotiation that I have to do. It's a very difficult thing for the artist because as we're selling excessive content all the time on the internet - free content, by the way - there comes a time when you no longer know when you are being you. But that's it. It's all about you being an artist and being a person.
At some point, the details can become too small, but I also think that online is a very strong space that can democratize art for people. That made it possible for us to be able to break through some obstacles that the industry put up. If you didn’t have a record label, if you didn't have a place like this or that, you couldn't expose your art.
Today, people can do different things with the internet. They end up making the industry have to swallow them at the price and standard they stipulate online. It's something that needs to be thought about very seriously. Otherwise, we lose too many things. But it needs to be done, right?
BONI
The last question is: what would you like people outside Brazil to know? About anything, about you, about the community, about Brazil.
AZULA
Here we produce knowledge and art in very specific ways, in ways that have a lot to do with our experiences. Wow, what could I tell people… what do people need to know about Brazil? That's a very difficult question, mona. I don't know; there's so much to say that I wouldn't even know where to start. Look, it's crazy.
But Brazil, throughout its history, has been building and fighting for memory: for the memory of the people who built this country and the new memories that are being conceived. Then we can finally say what Brazil really is because until then, many lies were told. People inside and outside of this country believe in many of these lies.
This moment of travesti art, this moment of people with disabilities talking about art and politics, this moment of black people, where the periphery is screaming and shouting, is a moment of much reflection that is being done with a lot of pain. With a lot of creaking within our nation, we can truly come to understand the specificities of these populations, which are immense and different. We are not the same. And understanding this was always difficult because the narrative was always about a single person. It was a giant narrative about a part that seemed to be the whole but which was only a part. Perhaps even smaller than we imagine, which explains much less of what we say in Brazil.
Travesti, for example, is a term that only exists here. It is a term used to define trans people in Brazil, long before many trans theories. It defined the lives and experiences of our people with great mastery. It is also about the reinterpretation that our ex-colony context produces. We were given various words, terms, and conditions, which we reframe, remake, and revive today. Even when they were given to us, they did not make us immobile. We were always fighting. That's why being a travesti is not just a word that was given by the other. It is a whole community of women who have gone through challenges and choose who they are in this way.
BONI
You said it all! Amazing!